Manchete no jornal local sobre a lei, intitulada "Tolerância Zero" (clique na imagem para vê-la maior)
Vamos por partes: a lei a que me refiro é o artigo nº 59 do capítulo VII da Lei de Contravenções Penais do Brasil, instituída no país em 1941 pelo Excelentíssimo Sr. Getúlio Vargas, então presidente da nação. Em suma, é uma lista de todas as ações consideradas indevidas, infratoras ou contrárias à lei brasileira. Acontece que a Constituição que usamos é de 1988, e entre as duas existe uma série de contradições que tornam muitas dessas Contravenções totalmente incabíveis - como é o caso da que falamos.
Transcrevo-a aqui:
Art. 59 - Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita:
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses.
Parágrafo único - A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena.
Trocando em miúdos, a lei diz que qualquer pessoa em condições de trabalho que for pega nas ruas fazendo absolutamente nada será detida, em pena de 15 dias a 3 meses. Aqueles que obtêm dinheiro de formas ilícitas (como, por exemplo, jogos de azar) também estão enquadrados. Note que o artigo nada fala sobre "15 dias de aviso prévio ao infrator", como foi dito pelo delegado da seção onde Gentili foi autuado.
Esta lei, datada de 1941, nada mais era, na época, uma forma de Getúlio Vargas garantir ao país mão de obra suficiente para o desenvolvimento industrial da nação, e ainda de quebra impedir que os chamados "vagabundos" ficassem pelas ruas, cometendo possíveis delitos.
Se esse parágrafo já te pareceu absurdo mesmo naquela época, imagine agora. Depois de 20 anos de ditadura, o brasileiro abomina, tem trauma, de qualquer tipo de limitação de um dos mais básicos Direitos Humanos, garantido por leis internacionais: a do livre arbítrio. É dito, claramente, que toda pessoa tem o direito à liberdade, ou seja, o direito de ir e vir, de qualquer lugar a qualquer lugar, na hora em que bem entender. O fato de um mendigo beber deitado em uma praça não fere nenhum outro artigo da Constituição. E a Constituição é
Fora que isso é bem uma hipocrisia. "Qualquer pessoa apta a trabalhar". Mas apta em que sentido? Fisicamente? O mundo evoluiu, a tecnologia avançou, o mercado de trabalho absorveu as máquinas e descartou mão-de-obra não-especializada. Como o governo espera que pessoas sem instrução consigam um emprego num estalo de dedos? Se em vez de correr atrás de cidadãos desfavorecidos pela sociedade a polícia se ocupasse com verdadeiros criminosos, e o poder público se preocupasse em gerar emprego e renda a essas pessoas, aí sim teríamos uma queda na criminalidade. Não só lá em Assis, cidade de São Paulo, mais rico e bem desenvolvido estado do Brasil. Não só lá no sudeste, onde tudo é lindo, maravilhoso, avançado e civilizado. Mas também aqui, no norte, onde mato e assassinatos à pexeira são aspectos cotidianos das
E pra finalizar, vejam que interessante isso que eu achei no Código de Direito Penal brasileiro, capítulo VI ("Da Liberdade Provisóra, com ou sem Fiança"), artigo 323:
Artigo 323 - Não será concedida fiança:
(...)
II - nas contravenções tipificadas nos arts. 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais
(...)
O que até faz certo sentido, se não uma redundância, já que um "vadio" não teria dinheiro algum pra pagar a fiança... Ah, e a saber:
Art. 60 - Mendigar, por ociosidade ou cupidez:
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses.
Parágrafo único - Aumenta-se a pena de um sexto a um terço, se a contravenção é praticada:
a) de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento;
b) mediante simulação de moléstia ou deformidade;
c) em companhia de alienado ou de menor de 18 (dezoito) anos.
Pois é. E dá-lhe nos mendigos. Vai que essa moda pega? O pessoal da praça da República que se cuide!
Procurando bem, até que essa LCP tem umas coisinhas legais. O artigo 65º, por exemplo, é bem útil. Dava pra ter enquadrado minha irmã nele umas trocentas vezes.
Esperando não ter esquecido nada, despeço-me. E perdoem-me se minha abordagem de ideias tiver ficado um pouco confusa. É uma hora da manhã, muita informação pra dissertar. Coesão vai pro espaço.
Abraço, e até a próxima!
Perturbação da tranqüilidade
Art. 65 - Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa.